quinta-feira, 20 de março de 2008

Na China, limpadores de ouvidos lutam para manter a profissão viva

Chengdu, China - Uma amiga me havia dito que eu tinha que experimentar. Descreveu a experiência como um orgasmo no ouvido. Para mim, parecia mais uma infecção de ouvido.

A antiga prática de limpeza de ouvidos está viva e próspera em Chengdu, a capital arborizada e relaxada da província de Sichuan, no sudoeste da China. Homens de meia idade, com meia dúzia de pinças de metal, palitos emplumados e pás de bambu, caminham pelos parques e esquinas procurando clientes para tirar as ceras dos ouvidos.

Toda grande cidade na China é famosa por alguma coisa: Xangai é a capital financeira. Hangzhou é uma cidade de beleza natural. Guangzhou é um lugar para comer. Quanto à Chengdu, é a cidade do lazer.

Na maior parte da China, as casas de chá tradicionais praticamente desapareceram. No entanto, ainda são parte ativa da vida em Chengdu. São locais para passar a tarde, jogando xadrez, fofocando com os vizinhos ou tirando uma soneca.

Para muitos chineses, é também o lugar ideal para limpar os ouvidos, ao tomar chá.

"Relaxa os nervos e faz as pessoas se sentirem bem", disse Li Yongfeng, limpador de ouvidos profissional, que passa os dias no People's Park, em Chengdu.

Assim que entrei na casa de chá do parque, em visita recente, Li e seus colegas cercaram-me. "Quer limpeza de ouvido?" perguntaram.

Fiquei curiosa, porém hesitante. Perguntei se desinfetavam seus instrumentos.

Li respondeu tirando um pacote de cigarro do bolso da camisa, tirando um tubo de plástico com um líquido transparente e um pedaço de algodão. Ele disse que o líquido era álcool e começou a limpar seus acessórios. Estranhamente, depois de alguns anos morando na China e com meus padrões de higiene reduzidos, achei isso confortante.

Depois de barganhar um pouco, cedi e sentei-me em uma cadeira de bambu. A limpeza de ouvido, de fato, foi bem menos traumática do que temia. Foram cerca de 15 minutos de cócegas leves e uma ligeira vibração. Um pedaço de cera de ouvido foi cerimoniosamente colocado em minha mão. Todo o processo foi menos complicado que uma manicure.

Li, 38, foi criado no campo. Quando tinha cerca de 18 anos, seu pai decidiu que deveria aprender um ofício e ele escolheu ser cabeleireiro. Logo, passou para barba e limpeza de ouvidos. Tradicionalmente, os três serviços eram oferecidos no barbeiro.

Primeiro, ele praticou nos camponeses e migrantes. Agora cobra 10 yuan (cerca de R$ 4,00) por serviço e chega a faturar US$ 370 (cerca de R$ 1.150) por mês. Não é pouco para a província de Sichuan, onde um trabalhador urbano médio recebe menos de US$ 1.000 (cerca de R$ 3.100) por ano. Ele usa uma técnica de oito instrumentos. Primeiro, ele passa um fio pelo lobo da orelha e partes de fora do canal do ouvido, para remover os pelos. Depois, passa um fio mais fino, uma tira de metal flexível, para suavemente soltar a cera. Os pedaços maiores de cera que se soltam facilmente são removidos com a pinça. Partículas menores são raspadas com um palito de bambu com uma pazinha no fim.

Com a cera removida, o resto é capricho. Ele passa um pedaço de arame superfino no canal do ouvido e dá umas batidinhas. "É só para ser gostoso", explica.

Depois, faz a mesma coisa com um pedaço de arame maior, com uma alça no final. Por fim, ele insere um pedaço de bambu com plumas de ganso e toca gentilmente o diapasão no pedaço de bambu, levando as plumas a vibrarem dentro do canal auditivo.

Não é exatamente como um orgasmo, mas também não é desagradável.

Os limpadores de ouvido disseram que passavam quase dois anos em treinamento, que envolvia a prática de segurar os instrumentos sem tremer. Li, um homem atarracado com pouco cabelo e fisionomia impassível, estica seu braço e demonstra a firmeza de sua mão. Ele desenvolveu essa habilidade segurando um par de palitos de comer seis horas por dia.

"Nem todo mundo consegue aprender", disse Wu Mingxiang, 46. "Você tem que ser esperto. Tem que ter um toque delicado. Não pode fazer se tiver temperamento difícil".
Segundo Li, os pré-requisitos do cargo eliminam metade da humanidade.

"As mulheres não têm paciência", disse. "Quando minha mulher faz em mim, dói. Como ela não faz direito, não deixo que faça mais".

Ele não respondeu perguntas sobre seu casamento. Mas não importa. Lamenta o futuro da arte. "Os jovens não aprendem mais", disse ele. "Eles consideram o serviço menor".

Wu concorda. "Eles preferem aprender computação", disse ele, como se fosse uma coisa ruim.
Mas Li tem ambições: "Quero ir aos EUA, limpar os ouvidos de Bush".

Ao contemplar as possibilidades, alguém disse, subitamente: "Hei, podemos até limpar seus olhos".

Fiquei muda. Envolveria pinças? Plumas de ganso? Tive medo de perguntar.

Um limpador de ouvidos, que estava sentado em silêncio, sacou um instrumento que parecia um palito de dentes grosso, de prata, com uma pequena saliência no final. Ele enfiou no canto
do olho, puxou um pouco e torceu.

Aí foi demais para mim.

Fonte: SFGate
http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?file=/chronicle/archive/2002/12/08/TR199409.DTL

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